terça-feira, 19 de maio de 2015

Yiscah Smith, educadora e mentora espiritual: ‘Não existe nada na Bíblia sobre transgêneros’

Religiosa está no Rio para participar de ciclo de palestras, no Midrash Centro Cultural, que será realizado na próxima semana



“Eu nasci nos EUA em 1951 e visitei Israel pela primeira vez aos 20 anos. Durante quatro décadas, busquei na religião uma solução para a minha confusão de identidade de gênero. Essa jornada foi contada em livro. Iniciei a transição aos 50, e, hoje, vivo em Jerusalém dando aulas de judaísmo e mentoria espiritual”


Conte algo que não sei.
A transição salvou a minha vida. Eu não era suicida, mas cheguei a um estágio em que percebi que não podia continuar. Eu sentia que estava morrendo.

O seu livro narra a sua jornada pessoal?
Isso. Ele conta a minha trajetória entre 1971 e 2011. Começa com a minha primeira visita a Israel, quando conheci o Muro das Lamentações, com 20 anos de idade. Lá, existe um divisor entre homens e mulheres. Eu já sabia, desde a infância, que era transgênero, uma menina que tinha o corpo de menino, e, naquele momento, eu tive que escolher um lado a seguir. Eu sabia o que deveria ter feito, mas ir com as mulheres causaria problemas. Então, fui com os homens, e criei problemas dentro de mim. Aos 60 anos, eu fui ao Muro das Lamentações pela primeira vez como Yiscah, como mulher. Foram 40 anos na minha caminhada pelo deserto, um paralelo com a história do Êxodo, na Bíblia. Os hebreus passaram 40 anos vagando pelo deserto até chegarem a Israel. Eles saíram, como eu, da escravidão para a liberdade.

Mas, antes da transição, você foi casada, não é?
Sim, entre 1973 e 1991, e tive seis filhos. Digo, tenho seis filhos e os amo. Eu os amo por serem meus filhos, não tem nada a ver com eu ser homem ou mulher, não tem relação com gênero.

E como é a sua relação com a família?
Eu tenho meus pais, minhas irmãs, meus filhos e minha ex-mulher. É uma mistura, eu não falo muito sobre a minha família. Eu a respeito. Eu sempre fui próximo da minha mãe, mas estou ainda mais agora, porque ela vê algo que ninguém mais consegue: uma paz, que nunca tinha visto antes.

Você sabia ser transgênero desde a infância. Por que esperou tanto até a transição?
Pessoas como eu, hoje em dia, com 15, 10 anos, podem dizer aos pais: eu sou uma menina, não um menino. Quando tinha essa idade, eu nem sabia que isso existia. Eu achava que era a única pessoa desse jeito no mundo. Vivi muitos anos com esse medo. Até 1992, depois de ler artigos e descobrir que não era a única. Em 2001, eu decidi pela transição, que levou alguns anos.

E como é a sua relação com a religião?
Não existe nada no Tanakh sobre os transgêneros. Não existe uma palavra em hebreu, nenhuma citação. O que é mencionado é que homens não devem usar roupas de mulheres e vice-versa. E existe uma coisa muito importante no judaísmo, que veio das tradições, não está na Bíblia: salvar uma vida é mais importante que os outros mandamentos. Por exemplo, no sabá, as pessoas não podem dirigir, mas se for para levar alguém ao hospital, podem. Eu salvei a minha vida.

Mas você sofre algum tipo de preconceito?
Eu posso dizer que a maioria das pessoas religiosas que eu conheço tem a mente aberta, mas existem alguns com ela fechada. Mas isso não tem a ver com a religião, mas com o que elas pensam. Não está nos livros.

E você sempre foi religiosa?

Não, eu me tornei religiosa a partir da visita a Israel. Eu pensava que Deus levaria a minha angústia, mas, como nunca era atendida, fui me tornando cada vez mais ortodoxa. Tinha barba longa e usava chapéu preto. Eu achava que a religião iria me “curar”. Mas Deus não faz mágica, o que Ele faz é criar os médicos, que possuem o conhecimento. Foi dessa forma que Deus me “curou”.

Fonte:http://oglobo.globo.com/

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