Texto
de Ana Nery para as Blogueiras Feministas.
Outro
dia, passando a vista pelo Facebook topei com um texto chamado: “Como
se tornar uma mulher irresistível, as dicas dos homens”.
Fiquei interessada porque a mulher que compartilhou dizia que o texto
era maravilhoso, que no início pensou se tratar de um texto
machista, mas depois viu que era ótimo. Fiquei curiosa.
Ao
clicar, logo vi na apresentação a maravilha ruir. O autor afirma
que quer revelar para as mulheres os segredos da mente masculina e
que tem como missão dar ao maior número de mulheres o poder de
definir o rumo da sua vida amorosa. Sério isso? Dar poder para as
mulheres? Achei até engraçado…
Aí
o texto segue com algumas dicas do que nós mulheres devemos fazer
para entrar no subconsciente dos homens e conquistá-los. As frases
do texto me fizeram pensar várias coisas. Uma delas de forma bem
marcante é esse papo de dar poder… Como se o outro fosse te
entregar um pacote de poder para você utilizar no dia-a-dia. Como se
alguém pudesse entregar poder, deixar que outra pessoa faça uso
disso. Embora pareça uma frase despretensiosa de início representa
bem algumas nuances estabelecidas na nossa sociedade que coloca as
mulheres como não-protagonistas.
Obviamente,
não pretendo estabelecer apenas dois pólos aqui, onde homens são
opressores maus e mulheres oprimidas boas, já que entendo que todas
as relações de poder comportam múltiplas posições dos sujeitos e
permeiam mecanismos bem mais complexos do que costumamos enxergar.
Mas, gostaria de chamar a atenção para essas sutilezas que nos
passam, às vezes, despercebidas.
Durante
o curso da história da humanidade, nós mulheres tivemos que
derrubar muralhas para nos fazer ouvir, enxergar e respeitar. Não
vejo que isso aconteceu porque “alguéns”
nos
empoderou. Entendo que em algumas situações é preciso dar
condições para que determinados segmentos da sociedade possam
exercer seu poder/empoderamento, por serem marginalizados/as ou
invisibilizados/as, por isso algumas políticas públicas são
construídas com esse intento. Mas, daí a entender que o poder é,
ou pode ser dado é muito complicado.
Dificilmente
quem ocupa um lugar de conforto na estrutura social consegue perceber
quando as opressões se processam a partir de suas falas e/ou
atitudes. E, mesmo quando se propõe rejeitar esse lugar, ainda assim
é difícil lidar com as contradições e equívocos que permeiam
essas nuances. Textos como esse que citei acima, parecem estar cheios
de boas intenções ao querer nos ensinar como podemos ser mais
poderosas, donas de nós mesmas e capazes de conquistar um homem.
Porém, a cobrança e a responsabilidade de manter a “magia” e
convencer o homem a se relacionar está sempre sob nossas costas.
Repare
que nesses manuais para conquistar homens, na maioria das vezes somos
nós, mulheres, que temos que ter muitos bons atributos. Além de
sermos uma espécie de Indiana Jones de subconscientes. E, para essa
conquista ser efetiva, temos que demonstrar sucesso em várias
etapas. Temos que ser “boas de cama”, atraentes, sedutoras,
companheiras, apoiadoras, compreensivas, sempre com um sorriso no
rosto. Com tudo que cabe dentro do estereótipo de mulher ideal.
Nossa…
já estou cansada de pensar em tantos esforços que precisamos
empreender para conquistar um homem. Se não estamos no lugar de
conforto/privilégio, então somos nós que temos ir à luta e
procurar moldar as qualidades, reparar os desajustes e tudo mais que
for preciso para ter um homem ao nosso lado.
Se
fizermos uma pesquisa em revistas, blogs, sites e outras fontes que
falam de relacionamentos, a maioria dos famosos conselhos amorosos
são direcionados às mulheres: “Como conquistar seu homem na
cama”, “Do que os homens gostam”, “10 Passos para segurar o
relacionamento”. Uma infinidade de passos, conselhos, dicas e tudo
mais para que nós mulheres consigamos finalmente ter um
relacionamento.
Pensar
sobre as relações heteronormativas ainda perpassa compreender que
lugares possuem mais privilégios, são mais legitimados e quais
relações de poder estão imbricadas nesse contexto. Em certa
medida, nós mulheres acabamos por legitimar essas ações que se
apresentam como reprodução de um machismo arraigado da nossa
sociedade. No entanto, podemos e devemos estar atentas às armadilhas
dessas práticas no dia-a-dia.
Mesmo
que muitas de nós não se identifiquem com essas reflexões,
considero importante pensar sobre como somos vistas pela sociedade
que corrobora esses estereótipos de como as mulheres devem ser e
agir. É preciso romper com construções equivocadas. Precisamos que
nos deem poder? Espaço? Liberdade?
No
fim, o texto define que a “Mulher Poderosa” é aquela que
consegue ter sucesso com praticamente qualquer homem, porque tem a
mentalidade correta na hora de conquistar e se relacionar. Acionando
minhas marcações de antropóloga, poderia escrever outro texto de
muitas páginas somente comentando a falta de relativização e a
generalização desse pensamento, mas vou me deter ao fato de que
pensar numa “mulher poderosa” como sendo àquela que pode ter
qualquer homem é tão reducionista que chega dar dó.
De
tantas formas que eu posso ser, tantos lugares que posso ocupar,
tantas identidades que posso acionar, de tantas possibilidades de
sujeito que eu sou e posso ser, por que ressaltar que ser poderosa é
poder ter capacidade para “conquistar qualquer homem”.
Autora
Ana
Nery é andarilha, militante, antropóloga… Escrevendo para aliar
as tensões, angústias ou aflorá-las ainda mais…
Fonte: http://blogueirasfeministas.com/
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