Quarta-feira,
6 de maio de 2015. Primeiro dia de aula de, Rebecka de França.
Aprovada no curso de Geografia do Instituto Federal do Rio Grande do
Norte (IFRN), ela estava nervosa. É a primeira aluna travesti do
IFRN Central e não se sabia ao certo como as pessoas iriam reagir.
Chegamos às 18h e minha intenção era conhecê-la e ver de perto a
reação dos alunos ao verem ela na sala de aula. Eles olhariam
Rebecka diferente, ou aceitariam como ela é?. Essa era uma
curiosidade que me acompanhava até o momento da chegada.
A
vida de travesti e transexuais no Brasil não é nada fácil. A
expectativa de vida deles é de 36 anos, 27 anos a menos do que a
média nacional. Loira, vaidosa e de um coração imenso, Rebecka se
orgulha da sua identidade de gênero. Ela sonha em quebrar o
preconceito que ainda é muito forte nos dias de hoje. Por não serem
aceitas no mercado de trabalho, as travestis precisam se submeter à
prostituição – atividade que elas nada se orgulham – para
sobreviver. Segundo a Associação Nacional de Travestis e
Transexuais do Brasil (Antra), 90% das delas estão neste caminho.
Rebecka, que quer ser professora, é uma exceção.
Logo
na entrada da instituição senti que tivemos uma abordagem diferente
por parte do segurança do Instituto. “Para onde vocês vão?”.
Foi o que ouvimos enquanto víamos as pessoas circularem livremente.
Ora, estávamos em uma escola pública, não precisaríamos dar
explicações sobre o que iríamos fazer ali. Rebecka também não se
sentiu bem e questionou a um de nossos amigos se todos os dias
receberia esse tipo de abordagem, já que chega a ser constrangedor.
Deixei
que ela andasse mais à minha frente, assim eu teria uma visão
melhor da reação das pessoas. Por ser uma mulher bonita, ela
claramente chama a atenção. Olhares indecentes, curiosos e
amigáveis a cercavam durante sua ida à coordenação.
Por
não conhecermos o local, nos perdemos algumas vezes até encontramos
alguns colegas de classe de Rebecka, que também estavam perdidos.
Ela, desinibida, não hesitou em conversar com eles (uma mulher e
dois homens). Minha impressão é que a receberam – de forma
aberta, sem barreiras e me senti aliviada.
Aliviada
porque temi que alguém a desrespeitasse e me sentia no dever de
defendê-la, mesmo sabendo que ela não precisa que alguém faça
isso por ela. Rebecka é emponderada o suficiente para isso. Mas ela
estava bem e então, fomos todos juntos em direção ao auditório da
instituição, pois recebemos a informação de que haveria a
recepção aos novos alunos.
Ao
chegarmos, pude ver claramente o nervosismo dela ao ver tanta gente
naquele lugar. Percebi que aquela desinibição havia dado lugar a
timidez e um certo medo de rejeição. Talvez estivesse lembrando de
experiências passadas como quando foi em uma entrevista de emprego e
teve seu currículo , justo pelo fato de ser travesti, negado. Ou
como quando ela não pôde vender espetinhos perto de um bar por
causa do seu gênero.
Deixei
que Rebecka tivesse o tempo dela, afinal aquilo tudo era uma nova
situação. Os desafios que viriam nos próximos dias podem também
ter vindo em sua mente. Será que vão aceitá-la? E o banheiro? Qual
será a reação das pessoas ao vê-la entrando no banheiro feminino?
Voltamos
para a entrada do auditório e lá Rebecka confirmou o que eu já
sentia. Estava nervosa. Tivemos uma conversa em frente ao banheiro
feminino que ela fez questão de entrar na intenção de quebrar a
expectativa. Nada aconteceu.
Para
que ela não perdesse mais nenhum momento do primeiro dia tão
especial, fui embora. Deixei que enfrentasse essa nova etapa da sua
vida sozinha, como sempre fez.
Os
próximos dias ainda podem ser de ansiedade, mas eu espero que
Rebecka continue sendo bem recebida por seus próximos colegas e que
sua formação seja conduzida da melhor forma possível.
A
luta contra o preconceito a qualquer pessoa LGBT é diária e quanto
mais Rebeckas existirem, mais esperança vou ter que se supere esta
realidade tão excludente. Meu sonho é que posso vê-la formada e
atuando dentro da sala de aula, como professora, para que ela consiga
quebrar um pouco dessas barreiras da nossa sociedade machista e
patriarcal. Além de servir de exemplo a outras travestis e
transexuais que buscam uma realidade melhor.
Mas
o caminho é longo. É difícil falar sobre gênero quando todos
parecem não querer enxergar a realidade ou quando uma doutrina
religiosa e “ideológica” te impede ser ao menos gentil com quem
é diferente de você. Rebecka teve a sorte de sua família apoiá-la
e não deixar que seu destino fosse entregue às ruas. E, mesmo
dentre todas as adversidades, ela consegue ver beleza em tudo.
Precisamos discutir gênero e precisamos de mais Rebeckas.
Fonte: http://www.apartamento702.com.br/
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