A medicina e as leis brasileiras não chegaram a tempo de aplacar a angústia de João W. Nery, de 65 anos, primeiro homem trans operado do país. A cirurgia de readequação sexual só foi regulamentada pelo SUS em 2008, mais de 30 anos depois de João retirar as mamas, ovários e útero em um procedimento ilegal, realizado em 1977.
Por
Julia Zanolli
A
Justiça, no entanto, ainda não permite que João e outros tantos
transexuais possam alterar os documentos de acordo com sua identidade
de gênero. O projeto de lei que regulamenta essa questão foi
proposto pelo deputado federal Jean Wyllys e é conhecido como lei
João W. Nery.
“Esse
é o problema mais urgente para a comunidade trans hoje. Essas
pessoas são violentadas a cada vez que têm que apresentar
documentos de um gênero diferente de sua aparência. Sem documentos
você não é um cidadão”, afirma João.
Entenda a lei de Identidade de Gênero
O
projeto de lei, também conhecido como lei João w. Nery, quer
garantir que qualquer pessoa seja reconhecida e tratada pela sua
identidade de gênero. O objetivo é que travestis, transexuais e
transgêneros possam solicitar a retificação dos seus documentos e
a emissão de uma nova carteira de identidade através de um trâmite
simples no cartório e sem necessidade de intervenção do
judiciário. Atualmente é preciso ter realizado a cirurgia e ter
laudos que comprovem a transexualidade. Como a decisão se baseia
apenas na jurisprudência, as pessoas trans ainda dependem da boa
vontade de um juiz para a troca de nome e gênero nos documentos.
“Não
adianta você ter status, dinheiro e poder e não ser você”
Aos
27 anos, ele foi ao cartório e tirou uma nova documentação com
nome masculino, como se nunca tivesse sido registrado. Ao negar a
identidade feminina, perdeu também todo seu histórico escolar. “Fui
educado em bons colégios do Rio de Janeiro, me formei em psicologia,
fazia mestrado e dei aula em três faculdades. Mas quando fiz novos
documentos me tornei um analfabeto perante a lei”, conta João.
Passou
a trabalhar como pedreiro, vendedor, massagista, qualquer coisa que
não exigisse currículo. “Tudo valia a pena para ser tratado como
homem. Perder minha profissão era secundário diante de perder minha
identidade”.
Ele
se casou quatro vezes e é pai de um rapaz, fruto do relacionamento
de sua então companheira com outro homem. João dá palestras em
todo Brasil e é autor do livro Viagem Solitária – Memórias de um
transexual trinta anos depois. “Tenho uma lista de médicos,
psicólogos e advogados para indicar para os jovens desesperados que
me procuram pelo Facebook. Também fiz um levantamento informal e já
consegui mapear cerca de 1000 homens trans pelo Brasil.”
Apesar
de toda atenção e reconhecimento por ser o primeiro homens trans
operado do país, João se diz “o amanhã de muita gente”, já
que acabou sendo cobaia de muitos procedimentos. “Quando eu nasci,
na década de 50, nem existia a palavra transexual. Quando assumi
minha identidade masculina, em plena ditadura militar, não havia
nenhum tipo de informação sobre isso, eu não conhecia ninguém
igual a mim”, conta.
Depois
de fazer do seu corpo um campo de batalha, João afirma que não é a
cirurgia que define a identidade de gênero. “Sei que nunca vou ser
um homem dentro dos padrões vigentes e não preciso de um pênis
para me sentir masculino. Há homens que perderam o pênis por causa
de doenças ou acidentes e nem por isso deixam de ser homens.”
5/5/2015Geledés
Instituto da Mulher Negra
Fonte: https://www.geledes.org.br
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