quarta-feira, 13 de maio de 2015

A medicina e as leis brasileiras não chegaram a tempo de aplacar a angústia de João W. Nery, de 65 anos, primeiro homem trans operado do país. A cirurgia de readequação sexual só foi regulamentada pelo SUS em 2008, mais de 30 anos depois de João retirar as mamas, ovários e útero em um procedimento ilegal, realizado em 1977.

Por Julia Zanolli
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A Justiça, no entanto, ainda não permite que João e outros tantos transexuais possam alterar os documentos de acordo com sua identidade de gênero. O projeto de lei que regulamenta essa questão foi proposto pelo deputado federal Jean Wyllys e é conhecido como lei João W. Nery.
“Esse é o problema mais urgente para a comunidade trans hoje. Essas pessoas são violentadas a cada vez que têm que apresentar documentos de um gênero diferente de sua aparência. Sem documentos você não é um cidadão”, afirma João.

Entenda a lei de Identidade de Gênero

O projeto de lei, também conhecido como lei João w. Nery, quer garantir que qualquer pessoa seja reconhecida e tratada pela sua identidade de gênero. O objetivo é que travestis, transexuais e transgêneros possam solicitar a retificação dos seus documentos e a emissão de uma nova carteira de identidade através de um trâmite simples no cartório e sem necessidade de intervenção do judiciário. Atualmente é preciso ter realizado a cirurgia e ter laudos que comprovem a transexualidade. Como a decisão se baseia apenas na jurisprudência, as pessoas trans ainda dependem da boa vontade de um juiz para a troca de nome e gênero nos documentos.
Não adianta você ter status, dinheiro e poder e não ser você”
Aos 27 anos, ele foi ao cartório e tirou uma nova documentação com nome masculino, como se nunca tivesse sido registrado. Ao negar a identidade feminina, perdeu também todo seu histórico escolar. “Fui educado em bons colégios do Rio de Janeiro, me formei em psicologia, fazia mestrado e dei aula em três faculdades. Mas quando fiz novos documentos me tornei um analfabeto perante a lei”, conta João.
Passou a trabalhar como pedreiro, vendedor, massagista, qualquer coisa que não exigisse currículo. “Tudo valia a pena para ser tratado como homem. Perder minha profissão era secundário diante de perder minha identidade”.
Ele se casou quatro vezes e é pai de um rapaz, fruto do relacionamento de sua então companheira com outro homem. João dá palestras em todo Brasil e é autor do livro Viagem Solitária – Memórias de um transexual trinta anos depois. “Tenho uma lista de médicos, psicólogos e advogados para indicar para os jovens desesperados que me procuram pelo Facebook. Também fiz um levantamento informal e já consegui mapear cerca de 1000 homens trans pelo Brasil.”
Apesar de toda atenção e reconhecimento por ser o primeiro homens trans operado do país, João se diz “o amanhã de muita gente”, já que acabou sendo cobaia de muitos procedimentos. “Quando eu nasci, na década de 50, nem existia a palavra transexual. Quando assumi minha identidade masculina, em plena ditadura militar, não havia nenhum tipo de informação sobre isso, eu não conhecia ninguém igual a mim”, conta.
Depois de fazer do seu corpo um campo de batalha, João afirma que não é a cirurgia que define a identidade de gênero. “Sei que nunca vou ser um homem dentro dos padrões vigentes e não preciso de um pênis para me sentir masculino. Há homens que perderam o pênis por causa de doenças ou acidentes e nem por isso deixam de ser homens.”

5/5/2015Geledés Instituto da Mulher Negra

Fonte: https://www.geledes.org.br




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