Na primeira Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa em 2008, o pastor Marcos Amaral, da Igreja Presbiteriana de Jacarepaguá, aceitou o convite do babalaô Ivanir dos Santos, seu amigo dos tempos de articulação política, para representar os evangélicos. Foi na cara e na coragem, como diz. Ao ver a multidão em trajes afro, o pastor gelou. Até então, aquela imagem era associada ao demônio. Apavorado, Marcos Amaral buscou refúgio no alto do carro de som. Mas, ao descer, o pedido de uma senhora fez o líder mudar de rota e se tornar hoje uma das principais vozes em defesa da liberdade religiosa.
— Eu
estava morrendo de medo. Nunca tinha estado em contato com “essa
gente” porque, para mim, nessa época, não eram pessoas. Quando
desci, pensei em ir embora. Quando estava saindo, uma jovem correu
atrás de mim e me pediu para tirar uma foto com a mãe dela. Vi uma
senhora negra com roupas de baiana. Ela me pediu: “O senhor pode
orar por mim?” e botou a minha mão no turbante dela. Aquela
velhinha me quebrou. Nunca mais a vi, mas ela nunca saiu de mim —
lembrou o pastor.
Autor
de livros como “De volta para casa” e eleito presidente do Sínodo
da Guanabara, que congrega mais de 50 igrejas, Marcos Amaral
realizará, nesta segunda-feira, reunião de lideranças com
participação do reverendo Roberto Brasileiro, pastor da Igreja
Presbiteriana do Brasil, na Universidade Mackenzie, no Centro.
Um
de seus objetivos é, por meio da união dos líderes presbiterianos,
representar uma voz em defesa dos valores reais da religião, como a
ética. Ele se assusta quando vê as atitudes desequilibradas feitas
em nome de uma suposta fé por líderes de novas seitas que se dizem
evangélicas. O verdadeiro cristão, ele ensina, tem outro
comportamento.
— Cristo
só foi intolerante com os líderes de sua própria nação, quando
estes eram intolerantes com as pessoas. Jesus foi o primeiro a dar
sinais de compreensão aos que seriam os umbandistas da época, como
o centurião romano, que era politeísta (adorava vários deuses).
Cristo nos ensinou o amor — encerra Amaral.
Entrevista
com pastor Marcos Amaral
O
senhor sofreu críticas dentro da igreja ao dialogar com outras
religiões quando se aproximou da Comissão de Combate à
Intolerância Religiosa?
Ao
longo desses quatro anos, sofri incompreensões. Mas fui me
fortalecendo e, ao mesmo tempo, o movimento pela defesa da liberdade
religiosa foi ganhando tanta transparência que hoje as pessoas
percebem que aquele espaço não é para debate religioso. Mas para
cobrar uma atitude cidadã de respeito.
Como
o senhor avalia hoje essa experiência?
Eu
só ganhei com isso, como se tivesse me despertado. O candomblé e a
umbanda sempre foram execráveis, o demônio para mim. Com essa
aproximação, fui construindo laços afetivos com as pessoas e
desconstruindo minha leitura preconceituosa. Não me considero
integrante efetivo da comissão porque não consigo acompanhar tanto
os trabalhos, embora eles insistam em dizer que sou. Então, eu me
sinto privilegiado e encho os pulmões para dizer que sou membro da
comissão.
Como
o senhor vê o preconceito religioso no Brasil?
Nós
convivemos com um processo silencioso de discriminação e rejeição,
amenizado e até caricaturado pelo jeito brasileiro de encarar as
coisas. Os neopentecostais têm um projeto imperialista de supremacia
política, baseada em um modelo de valorização dos países do
hemisfério norte. Não é à toa que eles chutam a santa ou associam
imagens de centros umbandistas a “endemoniados”. Há um projeto
de aniquilação religiosa no Brasil.
É
um perigo quando a discriminação é feita em nome da religião...
Existe
uma armadilha, um discurso de que o “Estado religioso” está
acima do “Estado civil”. Dentro dessa argumentação, se o estado
é contra o que dizem ser o reino de Deus vou tentar aniquilar o
estado e, então, vou fazer bem a Deus. É um discurso do século 12,
14, do tempo das Cruzadas. Quando os cristãos matavam os islâmicos,
eles acreditavam estar fazendo a vontade de Deus. Quando os puritanos
colocaram Joana D'arc na fogueira acreditaram que o fogo iria
expulsar os demônios e fazer bem a ela.
E
como combater esse discurso?
Espero
reunir as lideranças protestantes éticas que digam à sociedade que
o estado brasileiro é laico e que esse comportamento fanático não
reflete o Reino de Deus. Reflete um desajuste e um projeto de poder.
Vamos levantar nossa voz para a sociedade e dizer que todos têm o
direito de escolher seu credo.
Fonte:http://extra.globo.com/
Nenhum comentário:
Postar um comentário