"Nasceram sem cor, numa família de pretos. Três irmãos que sobrevivem fugindo da luz, procurando alegria no escuro. O mais novo diz que é branco vira-lata. Os insultos do colégio viraram identidade. A mãe cochicha que são anjinhos. Eles têm raça sim. São filhos de mãe negra. O pai é moreno. Estiraram língua para as estatísticas e, por um defeito genético, nasceram albinos. Negros de pele branca. A chance dos três nascerem assim na mesma família era de uma em um milhão. Nasceram. Dos cinco irmãos, apenas a mais nova é filha de outro pai. Esta é a história do contrário", escreveu o jornalista João Valadares, em 29 de agosto de 2009, sobre a história dos irmãos Ruth, Esthefany e Kauan.
Em razão de ilustrar a reportagem sobre a família Fernandes de Andrade no Jornal do Commércio, nasceu À Flor da Pele, do pernambucano Alexandre Severo. A pauta era acompanhar os dias de três crianças albinas nascidas numa família de negros, na comunidade V9, em Olinda (PE).
Trata-se de uma família pobre que não tinha grana para comprar protetor solar para as crianças poderem sair à luz do dia. Enquanto Valadares escrevia, as lentes de Severo ressaltavam os contrastes das crianças negras que brincam ao sol e das crianças albinas que brincam sob a lua.
Como não poderia deixar de ser, uma história de negros-galegos sob o sol de Olinda gerou comoção: falou-se sobre o estranhamento da mãe quando os filhos nasceram, a atuação física dos genes recessivos, até o pessoal da internet começar um movimento para ajudar a família com doações para o protetor solar. Os cliques de Severo eternizando o improvável.
Desde o começo de sua carreira, em 2002, foi o toque de fotojornalismo oriundo dos 7 anos que passou no Jornal que deu forma a seus ensaios. Para o trabalho autoral, ateve-se ao estudo sobre culturas locais, contrastes e o envolvimento com questões de identidade. À Flor da Pele é um bom exemplo disso.
Em casos anteriores, Severo documentou a Missa do Vaqueiro, em Serrita, para contar uma história de trajes do cangaço, cavalos e homens de fisionomia sincera. Viu os trabalhadores imigrantes japoneses em São Paulo e capturou toda a informação visual dos Sertanejos, as comunidades mais afastadas do Nordeste, em retratos que parecem, senão próximos, familiares. A alma sempre ali.
No texto de apresentação do ensaio Vazios, encontro algo que possivelmente validaria o argumento sobre a obra de Severo, um fotógrafo preocupado em fazer a alma conversar pelas imagens: "Segundo Platão, em Fedro, há dois tipos de almas: as que habitam o plano divino, onde conseguem enxergar o âmago das coisas e se alimentam do que é belo, sábio e bom; o outro tipo mal consegue contemplar as essências, uma vez que não conseguiu chegar na verdade e se satisfaz com a opinião. A alma nobre permanece elevada e compartilha a abóbada celeste com os deuses. A alma que não consegue enxergar a verdade, cai no plano terrestre e é incorporada pelo homem. Nessa alma, o que prevalece é a aparência das coisas. Uma vez que o que difere o homem é sua alma, aqui, na terra, somos todos iguais à espera dessa entidade caída".
Fonte: http://www.ideafixa.com/
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