Quando
foi aprovada a Lei do Feminicídio, a vitória saiu meio amarga. Uma
parte importante das identidades femininas tinha ficado de fora:
travestis e mulheres transexuais. Era o Congresso Nacional, com
raríssimas exceções, dizendo a essas mulheres que não devem
esperar nada deste país, nem o nome, nem a identidade, nem
dignidade, nem proteção. Mas acima de tudo, nenhum reconhecimento.
O
Brasil está no mapa dos assassinatos de pessoas LGBT em um lugar de
destaque: o primeiro, disparado, deixando para trás, por cadáveres
de distância, o segundo colocado México. E no topo desta lista
estão as travestis e transexuais, que após sofrerem torturas tanto
psicológicas quanto físicas; terem suas vidas roubadas com
requintes de crueldade; ainda são vilipendiadas pela grande mídia
que faz questão de chamá-las por nomes que não são os seus e de
ignorar suas identidades femininas. São, em sua maioria, negras e
pobres. Nem depois da morte, essas mulheres têm lugar no mundo.
Na
Baixada Fluminense, no estado pelo qual fui eleito (RJ), os crimes de
ódio motivados pela transfobia mata uma travesti ou transexual por
dia. E foi exatamente essa transfobia que matou a travesti Piu,
passista da Beija-Flor; que vitimou a travesti Indianara Siqueira na
semana passada, quando foi atacada e agredida em um bar no bairro de
Botafogo; e é também o que está vivendo Verônica Bolino,
torturada, humilhada e exposta pela Polícia Civil de São Paulo, a
mesma que deveria proteger seus direitos e sua vida. Quando duas
discriminações se chocam, como é o caso de Piu e de Verônica,
ambas trans negras, esse grupo é colocado em uma das mais
vulneráveis situações da nossa pirâmide social! Uma pesquisa
sobre os direitos das trans negras no Brasil, publicada pela ONG
internacional Global Rights, corrobora a realidade dessa população,
impactada desproporcionalmente por diversas formas de violência
física e sexual. Os dados da pesquisa foram apresentados durante uma
audiência temática sobre os direitos das pessoas trans negra no
Brasil diante na Comissão Inter-Americana de Direitos Humanos. Na
época, publiquei sobre este relatório e audiência na CIDH/OEA aqui
minha coluna do iGay.
Verônica
estava sob a tutela do Estado em uma carceragem de delegacia. O mesmo
estado que assinou e ratificou a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos e a integralidade de seu 5º artigo, a Convenção
Interamericana para prevenir e punir a tortura e a Convenção Contra
a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes das Nações Unidas. Agentes do Estado não podem, em
hipótese alguma, violar os direitos de quem está sob sua guarda.
Mesmo que Verônica esteja sendo acusada por algum tipo de crime, ela
deve ser submetida à Justiça, não à tortura. Tem direito ao
devido processo, não à exposição covarde de seu corpo machucado
através das fotografias tiradas sadicamente por policiais. Tem
direito ao seu nome, sua identidade e à sua dignidade, até para que
responda pelos atos que lhe são imputados.
O
já medieval sistema carcerário brasileiro tem conseguido superar-se
em violações aos direitos de travestis e transexuais privad@s de
liberdade. Cabelos raspados, pronomes masculinos, negação de acesso
ao tratamento hormonal, vulnerabilização de corpos femininos ao
misturá-los à população masculina são apenas o começo.
Violência e estupro são cotidianos para boa parte dessas pessoas.
Urge
que o Congresso Nacional deixe de se omitir quanto a este assunto.
Temos, aqui na Câmara dos Deputados, o
PL 5002/2013
,
que apresentei com a minha amiga Erika Kokay (PT/DF) que garante o
direito de toda pessoa ao reconhecimento de sua identidade de gênero,
protegendo estas pessoas de diversas situações que criam
constrangimento, problemas, negação de direitos fundamentais,
constante e desnecessária humilhação, quando não de um ataque à
suas integridades físicas.
Já
coloquei a minha equipe à disposição da família de Verônica
através de contato com sua mãe, e levarei a história de Verônica
à Comissão de Direitos Humanos da Câmara, à CPI da Violência
contra Jovens Negros e Pobres, à Comissão Permanente Mista de
Combate à Violência contra a Mulher e também à Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República para averiguar se, de
fato, houve ou não tortura no caso de Verônica e para garantir que
o mesmo não aconteça com outras representantes desse segmento tão
estigmatizado. Toda violência nos atinge. Nossa indignação pela
violação de direitos tão básicos deve abranger a humanidade. Mas
temos que prestar especial atenção às pessoas que, pela misoginia
social e pela violência institucional, são relegadas a um lugar de
abjeção e desumanização.
Somos,
nós também, travestis e transexuais. Somos Piu e Indianara. Somos
tod@s Verônica!
Fonte:http://jeanwyllys.ig.com.br/
Fonte:http://jeanwyllys.ig.com.br/
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