PASSARELA MASCULINA DE INVERNO 2016 DA GUCCI ©GETTY IMAGES |
De
Marlene Dietrich de smoking a Mick Jagger com roupas do guarda-roupa
da namorada Marianne Faithfull, a moda brinca, há muito tempo, com
os limites de gênero. Mas, na última temporada masculina
internacional, a discussão ganhou fôlego novo com o primeiro
desfile da Gucci assinado por Alessandro Michele.
A apresentação chamou atenção não apenas pela mudança radical
com relação ao trabalho anterior feito por Frida Giannini na grife,
mas principalmente pela proposta de vestir homens e mulheres com o
mesmo tipo de roupa – muitas vezes, era quase impossível dizer
quem era menino e quem era menina na passarela.
Poucos
dias depois, ainda na temporada masculina internacional de Inverno
2016, outra apresentação chocou o universo fashion ao abordar a
questão dos gêneros de forma ainda mais polêmica. Rick
Owens desconstruiu
os valores tradicionais de virilidade e do vestuário masculino ao
apresentá-los na passarela com túnicas que deixavam os pênis à
mostra. Foi “uma tentativa sutil de quebrar as barreiras finais das
formas aceitáveis de se cobrir e mostrar o corpo masculino”, como
escreveu Laia Garcia, do Yahoo
Style na
ocasião.
Esse
movimento, que vem sendo chamado de gender-bender (além-gênero, em
tradução livre) e foi colocado sob os holofotes atualmente
especialmente por Michele e Owens, tem a ver com a ruptura dos
estereótipos sobre as formas tradicionais de gênero. “Saias para
homens, ternos para mulheres e as linhas que definiam o
masculino/feminino vão se apagando. Mas a discussão atual é bem
maior e vai além”, observa a analista cultural Carolina Althaller.
Ela explica que essa, digamos, nova fase da discussão sobre a
neutralização dos gêneros na moda eclodiu há cerca de cinco anos,
quando o modelo Andrej
Pejic (hoje
Andreja) começou a desfilar para coleções femininas de
ready-to-wear e Alta-Costura de Jean Paul Gaultier, uma das primeiras
marcas a apostar na sua imagem. Andrej podia ser tanto um menino
quanto uma menina. Depois disso, Andreja chegou a subir em passarelas
nacionais para a Ausländer e abriu as portas para outros modelos
transgêneros como a brasileira Lea T – que, vale ressaltar, também
contou com o valioso empurrãozinho de seu amigo Riccardo Tisci,
diretor criativo da Givenchy, para deslanchar sua carreira.
O
varejo tem um timing diferente e geralmente necessita de um
tempo maior que as passarelas para incorporar mudanças de
comportamento. Mas dois exemplos recentes de importantes lojas
internacionais mostram que o gender-bender tem, sim, potencial para
transformar a forma como consumimos moda no futuro. O primeiro deles
foi o catálogo de Verão 2014 da Barneys, que trazia 17 modelos
transgêneros e contava a história pessoal de cada um no site. Já a
inglesa Selfridges realizou neste mês de março o inédito Agender,
projeto que propõe uma nova experiência de compras sem a divisão
das peças em seções masculinas e femininas.
Mas,
se a moda sempre ultrapassou as fronteiras entre feminino/masculino
(especialmente com a ajuda do mundo das artes, da música e das
celebridades), por que o movimento tem ganhado força agora? Para o
consultor criativo e de tendências Jackson Araujo, isso passa pelo
fenômeno chamado de transculturalismo, que salienta a fluidez entre
as fronteiras culturais e no qual não cabem mais definições
pré-estabelecidas sobre papéis masculinos e/ou femininos. “A
cultura de consumo contemporânea, por exemplo, tem colocado em
choque as relações tradicionais de gênero e classe social”,
explica ele. “Com isso, o mapa de mobilidade social está sendo
redesenhado em escala global, garantindo novos valores para os
espaços públicos, imagem corporal e classe social, desafiando
categorias identitárias anteriormente existentes. Basta pensar na
nova classe média, no acesso ao consumo de grifes. Ou nas festas de
rua, que ocupam o espaço público, colocando os cidadãos como
protagonistas das novas cidades. Ou ainda, nos avanços sobre a
constituição de novos modelos de família.” A tudo isso se soma
ainda o poder engajador das redes sociais, que empodera, une e dá
força a essa dinâmica global.
MODA
BRASILEIRA
Se
internacionalmente marcas como JW Anderson, JNBY, American Apparel,
Rad Hourani, Yohji Yamamoto, Nicopanda e Gareth Pugh se destacam no
segmento gender-bender, a moda brasileira também tem alguns exemplos
relevantes, como lembra Araujo. Alexandre Herchcovitch, com seus
homens de saia e mulheres de atitude forte nas passarelas, Dudu
Bertholini e Walério Araujo, graças, inclusive, às suas imagens e
posturas pessoais, além de Fernando Cozendey. “Cozendey já fez
casting com modelo gorda, transexual, gay dando pinta, andrógino com
genitália protuberante, mulher com perna mecânica… Uma
cartografia pulsante dos excêntricos, aqueles que são colocados à
margem do centro das discussões que a moda poderia proporcionar”,
diz Jackson, completando: “Por isso, este momento é relevante para
a moda, que pode se tornar mídia fundamental na inclusão de novos
estilos de vida”.
LOOK DO DESFILE MASCULINO DE VERÃO 2015 DE ALEXANDRE HERCHCOVITCH ©AGÊNCIA FOTOSITE |
Mas
será o gender-bender uma tendência passageira? Carolina acredita
que não. “Creio que o Agender, da Selfridges, vai abrir um grande
espaço e trazer essa discussão para o mercado massivo. Ainda vai
levar um tempo para outras lojas adotarem esse conceito, mas é
preciso ficar atento aos desejos do consumidor, que cada vez mais
busca representatividade nas marcas”, observa a analista.
Independentemente
de a tendência pegar ou não, o que realmente vale destacar no
movimento de neutralização dos gêneros é que, ao sair da esfera
das artes e das passarelas para ganhar o varejo, ele se aproxima das
pessoas e faz crescer a noção de que todas as classificações
sociais existentes – idade, gênero, nacionalidade – foram
construídas e já não dão mais conta da realidade. Logo, se as
narrativas já existentes não traduzem mais o mundo em que vivemos,
então é preciso criar novas. E é muito positivo que a moda sirva
como tela em branco para, não apenas ser um retrato do nosso tempo,
mas também um agente de inclusão e promoção da diversidade.
Relembre,
na galeria abaixo, alguns dos principais ícones da moda e da cultura
que extrapolaram os limites de gênero, criando novos ideais de
beleza, corpo e sexualidade.
Fonte:http://www.ffw.com.br/
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