quinta-feira, 25 de junho de 2015

PAI MATOU FILHO DE 8 ANOS PORQUE “PREFERIA” QUE ELE FOSSE HETERO OU PORQUE GAY “SE CONSERTA” NA PORRADA?

Colunistas, pastores e deputados que espalham esse tipo de ideia como "direito inalienável" são responsáveis indiretos por essa atrocidade

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Eu poderia escrever um texto falando sobre a tristeza que me tomou ontem quando li a notícia de que um pai matou de tanto bater um filho de oito anos porque percebia nele tendências homossexuais, como a recusa do menino em cortar o cabelo.
Após ser pego no IML, o “monstro” prestou depoimento na delegacia. Segundo a polícia, ele confessou o crime e disse que costumava bater no filho, Alex Medeiros Moraes. O preso disse que espancava o menino para “ensiná-lo a virar homem”, porque, segundo o pai, o garoto gostava de dança do ventre, tinha o hábito de vestir as roupas das irmãs e gostava de lavar louça. Trecho de reportagem do jornal Meia Hora
Mas eu resolvi escrever um texto sobre responsabilidade. Afinal, é apenas esse pai degenerado o único culpado desta atrocidade? Não.
Existem outros culpados indiretos que volta e meia usam o poder midiático que possuem para fomentar esse tipo de comportamento.
Na semana passada, aquele colunista daquela revista semanal desprezível, terrorista, histérica, que pisa nos princípios do jornalismo semana após semana, postou um texto em seu blog defendendo o direito que um pai tem de preferir um filho heterossexual.
Em resumo, o texto vomita citações de livros, autores e acadêmicos para justificar a tese do direito à liberdade de expressão que todo pai tem em relação às vontades e inclinações de um filho.
Fui lá e fiz um comentário, no qual minha opinião foi rechaçada porque, na cabeça do colunista, o tema era o direito de preferir algo. Discordo, o tema ali era quais as consequências de um pai preferir algo pelo seu filho. Gostar de gays não é mesmo obrigação de ninguém. Agora, como esse “direito” tem sido usado? Como vetor para todo o tipo de agressão verbal, física e psicológica, certo? Se você está com dúvida sobre isso, troca gay por negro ou por judeu e veja como fica bonito.
Mas voltando ao “preferir”. Eu, por exemplo, desde muito cedo fui insubordinado às vontades que meus pais, especialmente minha mãe, tinham em relação a mim, fosse em relação às profissões que escolhi, fosse em relação aos meus amigos e, também, em relação a minha sexualidade. Minha mãe podia preferir o que ela quisesse, mas o direito de escolha sobre minha vida era meu e exclusivamente meu. Como ela não aceitava, pois preferia que eu fosse hetero, casasse e tivesse filhos, passei grande parte da adolescência e da idade adulta sendo agredido verbalmente e fisicamente. Sempre tive obstinação para resistir, mas sei que nem todos os gays são assim. A maioria é vulnerável e todo o tipo de ataque porque, muitas vezes, não têm o menor apoio nem mesmo em suas próprias casas, lugar onde deveria ser seu refúgio. E isso acontece porque os pais também se sentem pressionados moralmente por uma sociedade normativa que determina que isso é papel de homem e aquilo é papel de mulher. E quando as coisas fogem a esse binário, os pais se sentem uns fracassados e passam a praticar todo o tipo de abuso contra seus filhos.
Digo isso não como com incentivo para que os filhos desrespeitem seus pais. Acho que hoje as crianças crescem sem limites, sem regras e sem reverência aos mais experientes. O que estou debatendo aqui é o respeito dos pais em relação a seus filhos, já que, em nossa sociedade patriarcal, os pais (ou as mães que assumem os dois papeis como a minha) agem com seu filhos como se eles fossem sua propriedade, um claro resquício dos primórdios da formação da família brasileira colonial.
Eu não acho que indivíduo nenhum tenha o direito de preferir nada pelo outro, apenas por si mesmo, porque, a meu ver, preferências são sempre subjetivas. Claro que pastores fundamentalistas e órfãos da ditadura militar discordam disso, pois essa liberdade individual (ironicamente um princípio defendido pela revista e pelo colunista em questão) põe em xeque o poder dessas pessoas sobre as massas que eles manipulam.
Novamente, pense na situação inversa: se eu, como gay, tenho um filho menino e percebo nele tendências heterossexuais e começo a espancá-lo porque ele gosta de meninas? Não seria uma atitude igualmente abjeta?
Portanto, aquele pseudoartigo a que me refiro é totalmente superficial, pois ele não discute o ponto principal da questão que é: quando um pai brasileiro/russo/nigeriano/iraniano “prefere” que seu filho não seja gay, essa preferência não se restringe a sua opinião pessoal, mas se torna um instrumento de coerção física e psicológica, cujo objetivo é meramente satisfazer o ego do pai. Pais devem ser orientadores, podem e devem opinar e demonstrar autoridade quando necessário, mas nunca podem determinar de forma autoritária as escolhas e desejos de um filho.
O pai que matou esse menino de oito anos é um exemplo. Fez o que fez por “preferir” que seu filho não fosse gay, que não tivesse cabelos compridos. Fez o que fez porque,como defende aquele deputado, filho gay se “conserta” na bordoada. Fez o que fez porque algum dia deve ter ouvido de algum pastor maluco que todo gay é endemoniado. E eis uma tragédia que, em maior ou menor proporção, está diretamente relacionada ao incentivo à violência que certos colunistas e a corja de fundamentalistas do Congresso e das igrejas emitem nos espaços privilegiados que conquistaram na imprensa.
Ou é mera coincidência que os casos de justiça com as próprias mãos tenham aumentado após o editorial da âncora do SBT?
Mas para quê discutir em profundidade um assunto gravíssimo, que envolve abusos de todos os tipos, violência, morte, intolerância, restrição à liberdade individual de usar seu corpo da forma que melhor lhe dá prazer quando é mais fácil criar polêmicas artificiais e escrever artigos sobre o “nojinho” que o colunista tem de ver dois barbados se beijando?
Pelo jeito o salário de colunista não está sendo suficiente para pagar terapia e comprar Engov. Eu só espero que dinheiro para o Diazepam esteja sobrando, porque dormir com o peso da dúvida de talvez ter incentivado direta ou indiretamente uma pessoa a matar o próprio filho não deve ser fácil. Quanto ao deputado e aos pastores… Bem… Esses não têm consciência nenhuma.

Fonte: http://www.ladobi.com/

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