segunda-feira, 15 de junho de 2015

Casais de detentos gays dizem 'sim' em presídio de Cuiabá: 'Temos direito'

Cerimônia foi celebrada no Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC). Preso ganhou vestido de noiva e chamou a atenção durante o casamento.


Casal recebeu amigos após a cerimônia em Cuiabá. Um deles é Sandy (primeira à esquerda), travesti condenado por homicídio. (Foto: Denise Soares/G1)

A união de dois casais de detentos homossexuais foi realizada durante uma cerimônia no Centro de Ressocialização de Cuiabá, nesta quarta-feira (3). Emerson, Duda, Rael e Mauro fizeram votos matrimoniais e assinaram documentos reconhecendo a união estável perante alguns amigos, padrinhos e madrinhas, funcionários, representantes do governo e imprensa.
A celebração, acompanhada pelo G1, aconteceu em um dos refeitórios da unidade, com direito a músicas românticas e uma singela festa com bolo de casamento, salgadinhos, sucos e refrigerantes.
Mauro e Rael se conheceram e casaram no Centro de Ressocialização de Cuiabá. (Foto: José Medeiros/GCOM-MT)
Os quatro presos participam do projeto "Arco-íris", que contempla 11 homossexuais que cumprem pena naquele presídio. Os detentos ficam separados dos outros presos para a preservação da integridade física deles. Dois dos presos que se casaram já tinham tido relacionamentos com mulheres fora da prisão, inclusive filhos.
A travesti Duda, de 32 anos, foi condenada por tráfico de drogas. Na prisão, conheceu Emerson Marques, de 25, condenado por homicídio. “Gostei de conviver com ela e decidi pedi-la em casamento. Existem muitas críticas e a maioria das pessoas não aceita [esse tipo de relação]. Antes de ser preso, fui casado com uma mulher e tive uma filha, que hoje está com seis anos. Ela me abandonou assim que fui condenado”, contou Emerson.
Apesar do preconceito que o casal diz enfrentar, o noivo alega não se importar com as críticas. “Dá para relevar. Aceitando ou não, vamos viver as nossas vidas e seremos felizes”, afirmou. Mesmo não morando na mesma cela, Emerson e Duda têm os momentos de intimidade e afirmam que vivem tranquilamente na prisão, já que estão em um espaço específico para os homossexuais.
“Não é porque estamos presos que somos monstros. Temos direitos. E ainda podemos sair casados. Só de olhar [para ele], percebi que era amor. Ele me pediu em casamento e tivemos apoio dos amigos aqui do presídio. No começo, quando me assumi, não tinha apoio. Mas hoje minha família me respeita”, comemorou Duda.
Casamento homoafetivo no Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC). (Foto: José Medeiros/GCOM-MT)
Vestida de noiva, usando uma tiara e com um buquê nas mãos, Duda foi o centro das atenções no evento. Uma amiga dela alugou um vestido em uma loja de Cuiabá e o véu. “Nunca me imaginei num vestido de noiva. É um sonho de todo homossexual”, falou.
Rael da Silva Cisi, de 36 anos, foi condenado a quatro anos e oito meses de prisão por aliciamento de adolescentes. Já o companheiro dele, Mauro Lúcio Miranda, de 28 anos, cumpre pena de sete anos por roubo. “Nos conhecemos trabalhando [na prisão]. Conversamos e posso dizer que foi amor à primeira vista. É importante oficializarmos essa união para mostrar que é possível sermos recolocados na sociedade com os mesmos direitos das outras pessoas”, declarou Rael.
Nenhum parente dos dois casais compareceu ao casamento. “Minha família é de Mato Grosso, mas não me aceita e não apóia. Tem preconceito. Nem sabe que estamos casando. Mesmo que soubessem não iriam vir”, lamentou Mauro. A família de Rael é de São Paulo e também não compareceu.
Após a cerimônia, os casais tiraram fotos com os amigos e convidados, muitos deles também homossexuais, sendo que alguns cumprem pena. Um deles é Huanderson Barbosa Moura, a 'Sandy'. Ela foi condenada a 25 anos e oito meses de prisão pela morte de um empresário em Várzea Grande, região metropolitana de Cuiabá, para roubar a caminhonete dele. No entanto, cumpre no regime semiaberto.
Apesar de se reconhecer com a identidade de gênero de uma mulher e ser tratada pelo agora marido como mulher, Duda é reconhecida pelo estado como sendo do sexo masculino. Por causa disso, está presa em uma unidade prisional para homens e, ao se casar com outro homem, o casal é considerado gay e convive com os demais homossexuais na ala específica do presídio.
Direitos iguais

Segundo o juiz Vara de Execuções Penais de Cuiabá, Geraldo Fidélis, a cerimônia é a primeira do país entre casais do sexo masculino na prisão. “Existem [no país] três casos de presos do sexo feminino que reconheceram a união estável. Isso é um reconhecimento, uma questão de dignidade e respeito para pessoas que escolheram um parceiro para viver, independentemente se é homem ou mulher”, pontuou o juiz durante a cerimônia.

Clóvis Arantes, representante do movimento LGBT em Mato Grosso, participou do evento. “A união estável garante a pensão, a adoção e outros direitos para os casais. Essas pessoas que estão aqui têm os mesmos direitos de quem está lá fora”, declarou.
Projeto 'Arco-íris'

O projeto foi criado há quase três anos no sistema prisional de Mato Grosso. Onze detentos gays permanecem separados dos demais recuperandos. Para ter direito a participar do projeto, os presos homossexuais devem trabalhar e estudar. Entre as atividades estão a confecção de bolos, itens de marcenaria e uniformes usados pelos próprios internos.

Fonte: http://g1.globo.com/

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