terça-feira, 16 de junho de 2015

Em exposição e zine, projeto Lampioa discute sexualidade com estética do cordel

Foi na literatura de cordel e no estereótipo do macho cangaceiro do Nordeste que Bruno Henrique Castro e João Zambom buscaram inspiração para um projeto ousado. “O foco do trabalho era gênero, e principalmente o não-gênero, optamos pela ‘feminilização’ do cabra mais macho do Brasil”, conta Zambom.
Surgiu então Lampioa, uma série de quatro zines que discute a homo e a bissexualidade com inspiração na estética típica do Nordeste. Cada uma delas tem um tema diferente e quem explica é Zambom. “O azul é sobre indivíduo, sobre o pessoal e o único; o amarelo é sobre sexo, como uma pessoa se relaciona com a seu próprio sexo ou com o outro; o vermelho é sobre amor e sentimentos presentes dentro de todos; e por último o verde, que fala de sociedade, num sentido mais amplo, de tudo que são as formas externas atuando sobre o indivíduo.”
foto hugo toni
por Hugo Toni
De 12 a 30 de novembro, o segundo andar da Galeria Olido, no centro de São Paulo, receberá uma exposição das artes originais e distribuirá os exemplares. Os dois escolheram brincar um pouco com a figura do cangaceiro Lampião pois ele representa o estereótipo do que deve ser o homem brasileiro, e provocar com essa ideia. “O título é provocativo sim, mas antes de tudo é uma brincadeira com as possibilidades de identidade de gêneros”, diz Zambom. Segundo ele, o nome junta três culturas “marginais”: o fanzine, a arte LGBT e a cultura nordestina.
Um total de 40 artistas participa do projeto, entre pintores, ilustradores, artistas plásticos, escritores, poetas e atores. “Buscamos baseados nos traços que nos interessavam ou na identidade com a temática. Foi muito interessante a busca, o contato e a recepção de cada um dos artistas que participaram”, explica.
Comunicação com público além do LGBT

Zambom explica que no começo estavam pensando em dividir os fanzines de acordo com a sexualidade. “Mas durante o processo vimos que não fazia sentido dividir entre sexualidade um projeto que justamente a gente queria tirar as pessoas do senso comum. Então nos veio a ideia de fazer uma divisão genérica, de acordo com os quatro pilares que fazem parte da vida de qualquer pessoa, de qualquer sexo, credo, religião, cor etc.”

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Arte de Paulo Quirino
Paulo Quirino
“’Lampioa’ surgiu da ideia de se criar um canal de comunicação, e de arte com conteúdo LGBT que não se comunicasse apenas com a comunidade gay. A ideia era justamente o contrário: dar voz a uma rede de pessoas, propor desafios e nos apresentar apenas como um canal de comunicação para expor um conteúdo rico e de múltiplas visões”, explica Zambom.
Não houve uma curadoria no sentido estrito do que entrava ou ficava de fora. “Todas as artes entraram. Na verdade a curadoria foi a escolha dos artistas e, posteriormente, unir artes e textos, fazer a separação de tudo o que tínhamos em mão nos quatro fanzines, para tentar contar uma história em cada um. Essa foi a parte mais difícil e também mais gostosa de fazer o ‘Lampioa’”, comenta.
Cerca de quatro mil exemplares já foram distribuídos nas ruas e alguns exemplares vão estar disponíveis nos postos de compra de ingresso do festival Mix Brasil. Castro e Zambom também decidiram disponibilizar o download gratuito dos exemplares no site para que a maior quantidade de pessoas possível tenha acesso.
Zambom conta ainda que o projeto foi barrado durante anos por motivos óbvios de homofobia, mas eles conseguiram financiamento através do apoio do ProAC, pela lei de apoio às manifestações artísticas voltadas ao público LGBT de 2013. “Não é difícil, é burocrático. Basta ter uma ideia e fazer o projeto. Cada edital pede de um jeito, é bom ficar atento ao que eles pedem pois o projeto tem que estar completo e super conciso”, aconselha Zambom.
Lampião gay?

Foi só depois que “Lampioa” foi para a gráfica que Castro e Zambom entraram em contato com a teoria do escritor Pedro de Morais, que alega a homossexualidade do líder do cangaço. “Mas ficamos super contentes primeiro por causa da importância histórica, e segundo porque a polêmica sempre gera uma discussão em torno”, conta Zambom. Quanto a números futuros do zine, Zambom conta que “não há previsões, mas há vontades”. “E isso já é um grande passo né?”, finaliza aos risos.

Untitled-1Da esquerda para a direita: texto de Esmir Filho e arte de João Bertholini / arte de Silvana Martins e texto de Laura Guimarães
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arte Thiana Sehn e texto Marcelle / artes Matheus e Thiana Sehn e texto Dire Parra

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arte Ronaldo Fraga e texto Bruno Castro /  Quadrinho Laerte e poema de Tatá Aeroplano 

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arte João Bertholini e texto Thiago Pethit / arte Rodrigo Mogiz

Se você curtiu a ideia, nesta terça (11), rola um coquetel de inauguração da exposição às 19h. A galeria fica na Av. São João, 473. RSVP: projetolampioa@gmail.com.

Mariana Pasini é jornalista e estuda História da Arte em Barcelona. Descubra suas desventuras no Barulhagem e as matérias publicadas em sua página no Pressfolios.

Fonte: http://malaguetas.blog.br/

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