(Foto: Tim Macpherson / Getty Images)
“Ei, moleque!”
“Ele quer entrar no provador de roupa com você?”
“O rosto do seu filho se iluminou!”
“Ela é na verdade uma menina.”
“Não, ela está bem aqui.”
“Aquela é a minha filha.”
“Me desculpe!!!”
“Não faz mal,” eu lhes asseguro.
A Emma nem repara, na maioria das vezes. E quando ela repara, ela quase sempre não diz nada. Às vezes, ela olha com um olhar matreiro, e faz o sinal de “chiu” com o dedo na frente dos lábios. Ela sacode a cabeça de levezinho e esconde a risada sobre o pequeno segredo que nós compartilhamos.
O segredo é que ela é uma menina, que parece igualzinho um menino.
“Está tudo bem”, eu digo. Mas eu não sinto que está tudo bem. Eu me sinto protetora e embaraçada ao mesmo tempo, e até mesmo envergonhada.
E me sinto muito envergonhada do meu desconforto.
Quando Emma anunciou pela primeira vez que ela queria cortar o cabelo todo, eu chorei. Não na frente dela, claro. A ela, eu perguntei o porquê, e depois disse para ela encontrar uma foto na Internet que ela pudesse mostrar para a cabeleireira.
E depois fui para o chuveiro e chorei.
Eu não chorei porque ela queria cortar seu longo cabelo, mas porque ela queria “o cabelo igual ao de um menino”. Por algum motivo, essa foi a gota que fez o copo transbordar.
Emma não usa vestidos desde que ela tinha dois anos de idade. Ela odeia vestidos. Agora, com 10 anos, ela usa shorts de tecido e uma camiseta dos Packers ou um moletom, ou algo velho e manchado, recebido de graça. Quando ela “capricha no visual” ela usa skinny jeans e uma camisa de estampado quadrado, e um tênis Converse verde.
Eu admito que o seu sentido de moda sempre me deixou um pouco triste. Quando eu descobri que estava grávida de uma menina, corri para casa e pintei o berçário em dois tons de cor-de-rosa, fantasiando com fins de semana só de meninas e visitas ao shopping. Eu a ensinaria a cuidar do cabelo e a pintar as unhas. Eu estava impaciente para começar a jornada com a minha “pequena-eu”.
Mas a realidade é que crianças não são bonecas, e em vez de uma “pequena-eu”, trouxe ao mundo um ser humano completamente separado e independente, com ideias e sonhos próprios. E sim, isso me deixou um pouco triste.
Isso também me deixou muito orgulhosa. Eu sempre fiquei admirada com o forte sentido de personalidade da minha filha, e do quão cedo isso se desenvolveu. Eu já me gabei várias vezes: “Ela já recusava usar vestidos antes mesmo de saber falar!”
Eu lutei muito contra o rótulo de “menina-rapaz.”
“Ela não é uma menina-rapaz,” eu assegurava. “Ela é uma menina que não gosta de cor-de-rosa, de vestidos, ou de brincar de princesa. Ela não precisa de rótulos, ela é o que é. ‘Menina’ é tudo isso e muito mais!”
Eu pensava que a estava empoderando, e ensinando a aceitar e amar tudo o que ela era e que viria a ser. Eu fico pensando se na verdade eu não estava também mantendo a esperança de que o meu antigo sonho pudesse ressuscitar.
Porque eu chorei no chuveiro quando ela me disse que queria cortar o cabelo curtinho.
“Nós não vamos ter netos!” Eu disse entre soluços para o meu marido do outro lado da cortina do chuveiro. “E aposto que nenhum dos nossos filhos vai sequer ao baile da escola!”
Sim, porque não é só uma, mas ambas as minhas crianças estão constantemente resistindo e evitando as normas sociais de todos os tipos, em especial normas de identidade sexual. E sabe o que mais? Às vezes isso cansa. Às vezes é difícil ter as expectativas completamente frustradas, e ser forçada a reexaminar o status quo.
“Você não faz ideia de como o futuro será”, meu marido me disse. Minha mãe repetiu o mesmo sentimento quando eu saí do chuveiro e lhe contei do meu estouro emocional.
“E lembre-se também”, ela disse, “que você nunca pensou que alguma vez seria mãe”.
Certo. A ironia aqui é que eu não cresci sonhando em ser mãe. Eu não cresci querendo ter filhos, sequer; e foi só por causa de uma decisão financeira muito errada (o anticoncepcional é tão caro!) que eu acabei sendo confrontada com a escolha de me tornar uma mãe. Meus sonhos de maternidade, e de mim mesma enquanto mãe, são basicamente da mesma idade que os meus próprios filhos.
E aqui estava eu, chorando por hipotéticos netinhos.
O meu problema não era ter netos, eu pensei para mim mesma. Naquele momento, naquele dia, eu apenas queria muito, muito mesmo, que um dos meus filhos fosse normal, isso teria tornado tudo tão mais fácil.
Claro que eu me recompus. Eu lembrei do quão fantásticos meus filhos são. Tanto meu marido Jared e minha mãe me lembraram que qualquer tipo de resistência ao normal é culpa minha, por que eu não os eduquei para se conformarem com expectativas generalistas.
Eu ajudei Emma a escolher um corte de cabelo – um que encontramos ao procurar por “cortes de cabelo unissex” e fui com ela ao cabeleireiro.
Claro que eu também aproveitei para conversar rapidinho com ela sobre se ela seria ou não transexual.
Estamos em 2015, afinal de contas, e eu navego na Internet.
“Filha, você por acaso se sente mais um menino do que uma menina?” eu perguntei.
“Você está falando daquilo” – ela fez um gesto de virar com o indicador e o dedo médio, para ilustrar o seu ponto – “aquela coisa de mudar de sexo?”
“Um… sim? E como você sabe disso?”
“Eu vi um show sobre um menino que nasceu menina, e uma menina que nasceu menino, e eles gostaram um do outro, e fizeram uma cirurgia, e continuaram gostando um do outro!”
Estamos em 2015, e ela claramente tem tido demasiado acesso à Internet.
“Sim,” eu respondi, “é disso que eu estou falando.”
“Não, Mãe,” ela insiste, “Eu não sou um menino por dentro. Eu morro de medo de cirurgia e eu nunca faria isso!”
Naturalmente que a minha resposta foi, “e se você não tivesse medo de cirurgia?”
“Não, eu sou uma menina, eu só quero ter cabelo igual de menino.”
E ela acabou conseguindo seu cabelo de menino, e está absolutamente feliz.
Ela está encantada.
Ela chegou da escola contando logo que ela deu “a melhor resposta para cada questão prática! Minha professora disse que eu sou uma pessoa totalmente nova com esse cabelo!” Ela também deu crédito ao cabelo pelo desempenho estelar no treino de basebol. A criança tinha o rosto brilhante o tempo inteiro, e não havia cabelo nenhum para esconder sua felicidade radiante.
Nem acredito que estava com tantas dúvidas sobre esse corte de cabelo estúpido,eu pensei para mim mesma.
Ela foi para o trabalho comigo no Dia de Levar o Filho ao Trabalho, e toda gente pensou que ela era um menino.
Eu gentilmente os corrigi, ela não está nem aí, e eu fiquei com vontade de chorar outra vez.
E é dessa maneira que tem sido o último mês. Estou numa montanha-russa de emoções sobre o aspecto da minha filha – na realidade, sobre como as outras pessoas a olham – e como eu me sinto sobre isso.
Eu lhe sugeri usar brincos, para que as pessoas possam ver que ela é uma menina. Ela aceitou usar os brincos mais vezes, mas me relembrou que ela não se importa com o que as outras pessoas acham.
“Você disse que não importa o que as outras pessoas pensam.”
Eu disse que ela era maravilhosa, e pedi desculpas por andar com dificuldades sobre isso.
“Eu não sei porque isso me incomoda, Emma,” eu confessei, “mas tenho tanto orgulho de você conseguir ser autêntica, não interessa como eu lido com isso.”
“Você está pensando que as pessoas acham que você falhou na educação de uma filha,” ela responde com absoluta certeza.
“Você é tão inteligente.”
“É, acho que eu deveria ser uma terapeuta, ou algo parecido.”
Como eu poderia não explodir de tanto orgulho?
Eu imagino se é aí que está o problema, ou pelo menos parte dele.
Enquanto mães, muitas de nós têm o horrível hábito de ligarmos os nossos filhos a nós mesmas, mesmo depois de cortar o cordão umbilical. Os sucessos dos nossos filhos são nossos sucessos, e suas falhas são nossas falhas. A maneira como os outros vêm meus filhos é a maneira como me vêm também. Nos sentimos orgulhosos dos nossos filhos – ou envergonhados – como se eles fossem um reflexo direto de nós.
O grande problema, a verdadeira revelação para mim, é que eu estava dando valor ao quando bonita minha filha era.
Ser bonito é importante.
Eu poderia dizer que não importa. Eu poderia estar absolutamente convencida de que ser bonito é fútil. Mas eu também já disse várias vezes que todos nós somos belos, o que dá a entender que isso afinal de contas é importante.
Talvez Emma já saiba de algo que eu não sei: a diferença entre bonito e belo.
Ela é uma artista, e adora estar rodeada de cor, luz e luxo. “Não consigo evitar”, ela me disse uma vez, na sacada de um hotel de cinco estrelas. “Eu me sinto melhor quando estou rodeada de coisas belas!” Mas ela não tem interesse em ser atraente.
Eu admito que me importo. Não vou me envergonhar disso, a vergonha não faz bem a ninguém. Eu gosto de me sentir bonita, e estou condicionada por um conjunto específico de normas sobre o que é ser atraente. É aqui onde me encontro agora.
Mas eu também estou:
… aprendendo a separar minhas crianças da minha própria imagem.
… querendo continuar expandindo minha definição de beleza.
… examinando o valor que atribuo à beleza.
… continuando a abrir mão, deixando ir, quando se trata dos meus filhos.
Meu nome é Britt Reints e sou especialista em felicidade, e o meu objetivo é encontrar maneiras práticas de ajudar as pessoas a serem mais felizes. Faço isso através de coaching, palestras, e escrevendo livros.
Fonte: https://br.vida-estilo.yahoo.com
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